quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Plano de aula

Caso de polícia?
Bloco de Conteúdo
Língua Portuguesa
Conteúdo
Literatura
Conteúdo relacionado
Este plano de aula está ligado à seguinte reportagem de VEJA:
Conteúdos
Literatura e gêneros literários

Habilidades
Perceber como as artes exploram as expressões do ciúme, conhecer a estrutura da crônica e produzir textos nesse gênero

Tempo estimado
Quatro aulas

No livro Ciumento de Carteirinha, o escritor gaúcho Moacyr Scliar observa que "o ciúme faz parte da condição humana. Bentinho, de Machado, ressurge a cada dia entre nós. Entender o ciúme é entender o ser humano...".

Tais palavras reforçam as ideias da psiquiatra italiana Donatella Marazziti sobre o tema, apresentadas em sua entrevista a VEJA. Ela distingue entre o ciúme normal e o patológico, mas a verdade é que os dois têm muitos traços em comum. Em primeiro lugar, ambos machucam. Em segundo, inspiraram obras-primas da literatura, do cinema e da música popular. Examine com os alunos as dimensões do sentimento que o compositor Lupicínio Rodrigues chamou de "nosso grande amigo", e que dói no peito até mesmo de garotos e garotas do mundo globalizado.

Atividades
1ª aula – Peça que a moçada aponte situações cotidianas em que o ciúme se manifesta. Em seguida, divida a sala em três grupos e encomende pesquisas sobre obras emblemáticas a respeito do tema. Um grupo deve tratar da literatura – Eros e Psiquê, da mitologia grega, Otelo, de William Shakespeare, Dom Casmurro e A cartomante, de Machado de Assis. Outro grupo vai tratar do cinema – Cidade Baixa, de Sérgio Machado, Orfeu do Carnaval, baseado na obra de Vinícius de Moraes, e os americanos Proposta Indecente, Harry e Sally e Atração Fatal. O terceiro grupo deve pesquisar o ciúme na música popular brasileira – Orlando Silva, Lupicínio Rodrigues, Ataulfo Alves, Mário Lago, Chico Buarque e Caetano Veloso são alguns dos compositores trataram da temática.

Ao final da aula, a turma deve montar um painel com trechos dessas obras e imagens correspondentes a elas, que será exposto na escola.

2ª aula – Apresente aos estudantes o mito Aiaxoga Surucuá, Uma Narrativa Suruí, compilado pela antropóloga Betty Mindlin (veja o texto abaixo). Mostre a eles, também, a reportagem Tragédia de Incompetência de VEJA, sobre o caso Eloá Pimentel e Lindemberg Alves, que mobilizou a mídia em outubro de 2008. O texto conta a história da adolescente de 15 anos que foi baleada na cabeça por seu ex-namorado, de 22, depois de mais de 100 horas de tensão em cárcere privado.
Para seus alunos Aiaxoga, Surucuá - Uma Narrativa Suruí

Um homem estava apaixonado por uma moça que não lhe dava a menor importância. Humilhado, costumava queixar-se à mãe dela.
– Ora, não é minha culpa se ele não gosta de você! Você precisa inventar um jeito de encantá-la! – ponderava a mãe.
Cansado de implorar o amor da moça, o rapaz ameaçou matá-la. Levou-a para a floresta e amarrou suas mãos atrás das costas. Depois, com grande esforço, levantou-a nas próprias costas, subiu com ela até o topo de uma árvore, e aí a deixou, atada aos galhos, imobilizada.
– Que vou fazer com ela ? – pensava. – Devo atirá-la ao chão?
Com um resto de pena ou paixão, resolveu deixá-la pendurada. Desceu da árvore e sentou, escondido, espiando a jovem lá em cima.
A moça gritava, desesperada, chamando a mãe:
– Aia! Mãe! Venha me tirar daqui!
Ele, sempre escondido, se comprazia com a cena.
A moça, na sua aflição, já se rendia:
– Por que foi que não gosto dele? Devia ter aceitado seu amor! Você estará perto de mim, escondido?
E gritava cada vez mais alto, exasperada. Ele nem respondia. Ela parava um pouco e recomeçava os berros de agonia:
– Venha me soltar, ó meu noivo, e aqui mesmo vou namorar você, serei aquela com quem você sempre deita !
Seus apelos continuaram o dia todo, sem que ele desse qualquer resposta. Ela prometia namorar, fazer-lhe todas as vontades, e nada, o moço implacável. À hora do pôr do sol, exaurida, a moça silenciou. Não agüentava mais.
E virou passarinho, o aiaxoga, surucuá, de peito vermelho.
Ele viu quando ela saiu voando, " aia ... xug... oiô... xug..." ... lá se foi pelos ares. O moço assustou-se, arrependido, e chamou-a.
– Você mesmo foi quem me fez virar passarinho, não me querendo! – E lá se foi ela, sumindo nos céus.
Comente com a classe que é difícil entender como o amor, definido em dicionário como "sentimento que nos impulsiona para o belo, digno ou grandioso", pode ser usado como pretexto para cometer crimes hediondos. Com a violência, os sentimentos ambíguos que envolvem o amor voltam a ganhar os holofotes e suscitar dúvidas: como a paixão pode levar a atos tão cruéis? Qual o limite entre o ciúme normal e o patológico?

Faça com que a garotada compare o mito indígena aos fatos da reportagem e utilize algumas passagens da entrevista para promover o debate: Quais os elementos que levam a pessoa a crises de ciúme?

3ª aula – Apresente à classe a crônica Sobre o Amor, etc., de Rubem Braga (Leia o texto abaixo). Após a leitura, chame a atenção para a discussão em torno do ciúme e proponha a construção do conceito de crônica.
Para seus alunos Sobre o Amor, etc.
(Rubem Braga)

Dizem que o mundo está cada dia menor.
É tão perto do Rio a Paris! Assim é na verdade, mas acontece que raramente vamos sequer a Niterói. E alguma coisa, talvez a idade, alonga nossas distâncias sentimentais.
Na verdade há amigos espalhados pelo mundo. Antigamente era fácil pensar que a vida era algo de muito móvel, e oferecia uma perspectiva infinita e nos sentíamos contentes achando que um belo dia estaríamos todos reunidos em volta de uma farta mesa e nos abraçaríamos e muitos se poriam a cantar e a beber e então tudo seria bom. Agora começamos a aprender o que há de irremissível nas separações. Agora sabemos que jamais voltaremos a estar juntos; pois quando estivermos juntos perceberemos que já somos outros e estamos separados pelo tempo perdido na distância. Cada um de nós terá incorporado a si mesmo o tempo da ausência. Poderemos falar, falar, para nos correspondermos por cima dessa muralha dupla; mas não estaremos juntos; seremos duas outras pessoas, talvez por este motivo, melancólicas; talvez nem isso.
Chamem de louco e tolo ao apaixonado que sente ciúmes quando ouve a sua amada dizer que na véspera de tarde o céu estava uma coisa lindíssima, com mil pequenas nuvens de leve púrpura sobre um azul de sonho. Se ela diz “nunca vi um céu tão bonito assim”, estará dando, certamente, sua impressão de momento; há centenas de céus extraordinários e esquecemos da maneira mais torpe os mais fantásticos crepúsculos que nos emocionaram. Ele porém, na véspera, estava dentro de uma sala qualquer e não viu céu nenhum. Se acaso tivesse chegado à janela e visto, agora seria feliz em saber que em outro ponto da cidade ela também vira. Mas isso não aconteceu, e ele tem ciúmes. Cita outros crepúsculos e mal esconde sua mágoa daquele. Sente que sua amada foi infiel; ela incorporou a si mesma alguma coisa nova que ele não viveu. Será um louco apenas na medida em que o amor é loucura.
Mas terá toda razão, essa feroz razão furiosamente lógica do amor. Nossa amada deve estar conosco solidária perante a nuvem. Por isso, indagamos com tão minucioso fervor sobre a semana de ausência. Sabemos que aqueles 7 dias de distância são 7 inimigos: queremos analisá-los até o fundo, para destruí-los.
Não nego razão aos que dizem que cada um deve respirar um pouco, e fazer sua pequena fuga, ainda que seja apenas ler um romance diferente ou ver um filme que o outro amado não verá. Têm razão; mas não têm paixão. São espertos porque assim procuram adaptar o amor à vida de cada um, e fazê-lo sadio, confortável e melhor, mais prazenteiro e liberal. Para resumir: querem (muito avisadamente, é certo) suprimir o amor.
Isso é bom. Também suprimimos a amizade. É horrível levar as coisas a fundo: a vida é de sua própria natureza leviana e tonta. O amigo que procura manter suas amizades distantes e manda longas cartas sentimentais tem sempre um ar de náufrago fazendo um apelo. Naufragamos a todo instante no mar bobo do tempo e do espaço, entre as ondas de coisas e sentimentos de todo dia. Sentimos perfeitamente isso quando a saudade da amada nos corrói, pois então sentimos que nosso gesto mais simples encerra uma traição. A bela criança que vemos correr ao sol não nos dar um prazer puro; a criança devia correr ao sol, mas Joana devia estar aqui para vê-la, ao nosso lado. Bem; mais tarde contaremos a Joana que fazia sol e vimos uma criança tão engraçada e linda que corria entre os canteiros querendo pegar uma borboleta com a mão. Mas não estaremos incorporando a criança à vida de Joana; estaremos apenas lhe entregando morto o corpinho do traidor, para que Joana nos perdoe.
Assim somos na paixão do amor, absurdos e tristes. Por isso nos sentimos tão felizes e livres quando deixamos de amar. Que maravilha, que liberdade sadia em poder viver a vida por nossa conta! Só quem amou muito pode sentir essa doce felicidade gratuita que faz de cada sensação nova um prazer pessoal e virgem do qual não devemos dar contas a ninguém que more no fundo de nosso peito. Sentimo-nos fortes, sólidos e tranquilos. Até que começamos a desconfiar de que estamos sozinhos e ao abandono trancados do lado de fora da vida.
Assim o amigo que volta de longe vem rico de muita coisa e sua conversa é prodigiosa de riqueza; nós também despejamos nosso saco de emoções e novidades; mas para um sentir a mão do outro precisam se agarrar ambos a qualquer velha besteira: você se lembra daquela tarde em que tomamos cachaça num café que tinha naquela rua e estava lá uma louca que dizia, etc, etc. Então já não se trata mais de amizade, porém de necrológio.
Sentimos perfeitamente que estamos falando de dois outros sujeitos, que por sinal já faleceram – e eram nós. No amor isso é mais pungente. De onde concluireis comigo que o melhor é não amar, porém aqui, para dar fim a tanta amarga tolice, aqui e ora vos direi a frase antiga: que é melhor não viver. No que não convém pensar muito, pois a vida é curta e, enquanto pensamos, elas se vai, e finda.

Maio, 1948.
Peça que os seguintes aspectos sejam observados:
• Quais trechos contêm situações atuais, extraídas do cotidiano das pessoas ou dos noticiários?
• O ponto de vista do autor, sua forma de ver aquele fato, fica evidente? Este é um dos elementos que caracterizam a crônica: uma visão pessoal de um evento.
• O texto está em 1ª pessoa?
• A linguagem é simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária?

Peça que os jovens socializem as descobertas sobre o gênero textual, em especial a liberdade do cronista para expor opiniões subjetivas, ainda que justificadas e contextualizadas. A crônica, na maioria dos casos, é um texto curto, narrado em primeira pessoa – ou seja, o próprio escritor dialoga com o leitor. Em seguida, faça-os observar que esse gênero textual situa-se entre o jornalismo e a literatura. Comente que o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia a dia!

4ª aula – Estimule a moçada a produzir suas próprias crônicas!

Para começar, apresente a entrevista da psiquiatra italiana Donatella Marazziti publicada em VEJA e peça que reflitam a respeito da pergunta: celular e internet, principalmente as redes sociais como Facebook, Orkut e Twitter, servem de combustível ao ciúme?

Em seguida, peça que a classe pesquise crimes passionais famosos, como o do diretor de redação do jornal O Estado de S. Paulo, Antonio Marcos Pimenta Neves, que chocou o país ao assassinar a também jornalista Sandra Gomide, sua ex-namorada, em 2002, ou mesmo o caso de Eloá e Lindemberg.

Cada aluno deve selecionar acontecimentos que julgar mais interessantes e produzir uma crônica inspirada neles, garantindo uma visão pessoal sobre o fato. Quando as produções estiverem terminadas, faça com que os estudantes troquem os textos entre si. Pode surgir um livro de crônicas da turma!
BIBLIOGRAFIA
200 Crônicas Escolhidas. As Melhores de Rubem Braga. Rubem Braga, Editora Record, tel. (21) 2585-2244
Vozes da Origem – Estórias sem Escrita, Betty Mindlin, Ática, tel. (11) 3990-1834
Tragédia de Incompetência. VEJA, Edição 2083, 22/10/2008
Plano de aula Até a Geração dos Ficantes Sente Ciúme, publicado em VEJA NA SALA DE AULA.



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