quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Plano de Aula LEITURA.

O que cabe na lata do poeta?


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Introdução

Esta seqüência didática aborda um conteúdo curricular pouco ensinado atualmente: a poesia. Conhecer esse gênero é altamente desejável não só para a formação do leitor e do escritor que aprecia e sabe fazer uso de recursos da linguagem literária, como também para a formação de um ser humano mais sensível à poesia da realidade que está à sua volta.



Antes de iniciar o trabalho, vamos refletir sobre por que vale a pena ensinar poesia na escola. A poesia desperta a sensibilidade para a manifestação do poético no mundo, nas artes e nas palavras. O convívio com a poesia favorece o prazer da leitura do texto poético e sensibiliza para a produção dos próprios poemas. O exercício poético desenvolve uma percepção mais rica da realidade, aumenta a familiaridade com a linguagem mais elaborada da literatura e enriquece a sensibilidade.



O poeta José Paulo Paes diz em seu livro É isso ali: A poesia não é mais do que uma brincadeira com as palavras. Nessa brincadeira, cada palavra pode e deve significar mais de uma coisa ao mesmo tempo: isso aí é também isso ali. Toda poesia tem que ter uma surpresa. Se não tiver, não é poesia: é papo furado.



Poesia e Poema

No ensino da poesia, é muito comum haver confusão entre o que é poesia e o que é poema, como se fossem vocábulos sinônimos. Então, poesia e poema significam a mesma coisa?

Não. Poesia é um termo que vem do grego. No sentido original, poiesis é a atividade de produção artística , a atividade de criar ou de fazer . De acordo com essa definição, haverá poesia sempre que, criando ou fazendo coisas, somos dominados pelo sentimento do belo, sempre que nos comovermos com lugares, pessoas e objetos. A poesia, portanto, pode estar nos lugares, nos objetos e nas pessoas. Assim, não só os poemas, mas uma paisagem, uma pintura, uma foto, uma dança, um gesto, um conto, por exemplo, podem estar carregados de poesia. Poema é uma palavra que vem do latim poema, que significava 'poema, composição em verso; companhia de atores, comédia, peça teatral', e do gr. poíéma 'o que se faz, obra, manual; criação do espírito, invenção'. Portanto, poema é poesia que se organiza com palavras.



Objetivo

Aprender a escutar, ler, compreender, interpretar, declamar e produzir poemas. Reconhecer e fazer uso de recursos da linguagem poética, quanto à sonoridade.



Conteúdos específicos

Poesia e poema, rima, verso e estrofe.

Recursos da linguagem poética, quanto à sonoridade: rima; e quanto ao significado das palavras: linguagem figurada, conotação e denotação, metáfora.



Ano

8° e 9° anos



Tempo estimado

Cerca de 12 aulas de 50 minutos



Material necessário

A classe vai precisar de uma lata média ou de um balde com alça e de tintas, papel colorido ou páginas de revistas para decorar o objeto, que será a lata do poeta, onde tudonada cabe. Você também vai precisar de uma TV e de um videocassete ou DVD player.



Desenvolvimento das atividades

Para criar um ambiente favorável ao estudo, leve para a classe imagens e breves biografias dos poetas que serão lidos em sala de aula. Os alunos devem ser solicitados para também pesquisarem imagens e biografias. Organize um painel num canto da sala com esse material e dê um título a ele ou faça um concurso entre os alunos para a escolha do nome da área. Na medida em que o trabalho avançar, ali podem ser fixados poemas de autores escolhidos pelos alunos ou poemas produzidos por eles.



Explique para a classe que, juntos, vocês vão ampliar a compreensão da linguagem poética, dedicando-se agora ao estudo específico da metáfora.



Para introduzir o assunto e conhecer o que pensam os alunos sobre o tema, pergunte: Você sabe o que é metáfora? O que é linguagem subjetiva e linguagem objetiva? Em que a linguagem de um texto científico é diferente da linguagem de um poema? Alguém da classe já escreveu um poema? Qual?



Roda de conversa

Dê um tempo para a classe discutir as questões em pequenos grupos. Depois, abra uma roda de conversa e solicite que comentem sobre o que conversaram. Esse momento dará a você uma idéia do que seus alunos já sabem ou pensam sobre metáfora e linguagem subjetiva e objetiva. Na roda de conversa, eles estarão expondo o conhecimento prévio que têm do tema.



Prepare-se para ler

Em seguida, diga aos alunos que você vai ler para eles um poema de Mário Quintana. Estude previamente a leitura do texto. Prepare-se para ler em voz alta e leia com bastante expressividade. Peça para prestarem atenção à definição que o poeta dá para poemas.



Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam vôo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhoso espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti...



(Fonte: QUINTANA, Mário.Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.)



Depois dessa primeira leitura, escreva o poema na lousa ou forneça cópias do texto para os alunos. Pergunte: Poemas são a mesma coisa que pássaros? Que semelhanças o poeta vê entre pássaros e poemas e que permitem ao poeta dizer Os poemas são pássaros ... ?



Após essa indagação, explique:



Sentido literal e sentido figurado

De maneira geral, usamos as palavras com dois diferentes sentidos: o sentido literal e o sentido figurado.



Sentido literal Nesse caso, o sentido da palavra é exato, direto, simples, não deixa dúvida. Geralmente, nos textos em que deve predominar uma linguagem clara e objetiva, como os jornalísticos e científicos, as palavras aparecem com um único sentido, aquele que aparece nos dicionários. O sentido literal também é chamado denotativo.



Sentido figurado Quando o sentido da palavra aparece com um sentido ampliado ou alterado no contexto, sugerindo idéias diferentes do sentido literal, dizemos que a palavra está no sentido figurado. O sentido figurado também é chamado conotativo.



A linguagem do poeta

A linguagem que o poeta usa não é uma linguagem comum. Os poetas não usam as palavras em seu sentido literal, do modo como estão no dicionário. A linguagem do poema Poemas não é comum. Ela expressa o modo particular como o poeta Mário Quintana vê e sente o mundo.



Os poetas se expressam de modo subjetivo. O mesmo não ocorre com os cientistas. Peça para os alunos imaginarem o que aconteceria se um cientista explicasse uma nova descoberta da medicina em linguagem subjetiva. Cada médico faria uma interpretação diferente da explicação e esta variedade de interpretações poderia causar muitos problemas.

A linguagem comum usada no dia-a-dia não é suficiente para aqueles que trabalham com a palavra. Para um escritor conseguir expressar-se com originalidade, ele precisa criar imagens. Para um poeta não serve qualquer palavra. Ele escolhe aquelas palavras e expressões que melhor traduzam sua visão das coisas. Essa escolha dá muito trabalho. Por esse motivo se diz que o poeta é um artesão da palavra . Olavo Bilac (1865-1918), no poema A um poeta, já dizia que o autor, quando está criando, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua .



Observe os exemplos:

Para o cientista, a Lua é:

Satélite natural da Terra



Para poetas, a Lua pode ser:

Casa de São Jorge

Fatia de queijo

Colar de prata da Noite



Atividades para praticar a linguagem conotativa

1. Pergunte para a classe por que motivo um cientista ou um professor usam o sentido literal das palavras ou a linguagem denotativa, quando escrevem um texto para explicar uma teoria. 2. Peça para a classe ampliar a lista acima: Para poetas, a Lua pode ser...

3. Os poetas se expressam de modo subjetivo. O mesmo não ocorre com os cientistas. Selecione poemas e textos científicos. Proponha aos alunos que comparem a linguagem de um com a do outro para perceber as diferenças entre esses gêneros textuais.

4. Peça para a classe comparar o verso de Quintana com uma definição de poema encontrada no dicionário. Comente o efeito de sentido de cada definição:

a) Poemas são pássaros.

b) Poema é obra em versos.

5. Solicite que os alunos, em dupla, elaborem uma definição científica e uma definição poética para coração . Organize um painel com essas definições distribuídas em duas colunas: a coluna Coração para o cientista é... e outra, Coração para o poeta é...

6. Pergunte para a classe por que um cientista não pode fazer uso de linguagem subjetiva e o poeta pode.

7. De acordo com o que responderam acima, peça para concluírem: um cientista precisa fazer uso de uma linguagem objetiva, utilizando o significado mais conhecido das palavras porque sua intenção comunicativa é... . Já a intenção dos poetas não é explicar nada, sua linguagem é subjetiva porque a intenção comunicativa é... .

8. Leia para a classe o poema do poeta português Luís Vaz de Camões, Amor é um fogo que arde sem se ver , e que vem comentado logo abaixo. Peça para os alunos fazerem um levantamento em todo o poema do que é o amor para o poeta.



Conversando sobre a linguagem poética

Explique para a classe que a linguagem subjetiva dá um novo sentido a palavras conhecidas. O novo sentido nasce de uma semelhança percebida pelo autor. Para Quintana, os poemas são como os pássaros. No famoso soneto de Camões, o poeta português enumera várias semelhanças que ele vê para o sentimento do amor:



Amor é um fogo que arde sem se ver



Amor é um fogo que arde sem se ver,

É ferida que dói, e não se sente;

É um contentamento descontente,

É dor que desatina sem doer.



É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É um cuidar que ganha em se perder.



É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata, lealdade.



Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?



Linguagem figurada e as figuras de linguagem

Explique que a linguagem poética é chamada de figurada porque faz uso de figuras de linguagem. Tais figuras são recursos que os poetas usam para criar efeitos de expressividade, ou seja, para emocionar o leitor. Há vários tipos de figuras. Uma delas é a metáfora.



A metáfora

Essas semelhanças ou relações que o poeta estabelece entre dois elementos, sem usar o termo de comparação como chama-se metáfora e é uma figura de palavra muito usada na poesia. Ela ocorre quando um termo é substituído por outro em função de algum ponto de contato, de alguma semelhança entre eles. Se o primeiro verso do poema de Camões fosse: o calor do amor arde como o calor do fogo , ele estaria fazendo uma comparação. Camões preferiu escrever uma metáfora. No poema de Quintana, se a opção fosse a comparação ficaria assim: Os poemas chegam não se sabe de onde como os pássaros chegam e não se sabe de onde.



Para comparar

Ofereça muitos poemas para a classe. Peça para os alunos compararem o efeito de sentido da comparação e da metáfora nos poemas citados aqui e nos que você, professor(a), levou para a turma.



Gilberto Gil e a metáfora

O cantor e compositor baiano Gilberto Gil escreveu uma letra para uma canção que é uma explicação poética para metáfora . A canção está gravada nos discos Gil Luminoso (1999) e Um banda um (1982) e é possível escutá-la em http://www.gilbertogil.com.br/sec_discografia_view.php?id=51



Leia a letra da música para a classe e, depois, se possível, leve o disco ou acesse na internet para juntos cantarem a canção.

1. Peça para que interpretem os seis versos iniciais.

2. Pergunte se concordam com os versos:



Por isso, não se meta a exigir do poeta

Que determine o conteúdo em sua lata

Na lata do poeta tudonada cabe

Pois ao poeta cabe fazer

Com que na lata venha caber

O incabível



3. Solicite que expliquem por que tudonada está escrito como se fosse uma palavra só?



Metáfora (Gilberto Gil)



Uma lata existe para conter algo

Mas quando o poeta diz: "Lata"

Pode estar querendo dizer o incontível



Uma meta existe para ser um alvo

Mas quando o poeta diz: "Meta"

Pode estar querendo dizer o inatingível



Por isso, não se meta a exigir do poeta

Que determine o conteúdo em sua lata

Na lata do poeta tudonada cabe

Pois ao poeta cabe fazer

Com que na lata venha caber

O incabível



Deixe a meta do poeta, não discuta

Deixe a sua meta fora da disputa

Meta dentro e fora, lata absoluta

Deixe-a simplesmente metáfora



A lata do poeta

Leve uma lata média ou um balde com alça para a classe. Oriente os alunos para decorar a lata por fora, pintando-a ou recobrindo-a com papel colorido. Ela será a Lata do Poeta, onde tudonada cabe.



O que vai dentro da Lata do Poeta?

Organize um acervo de livros de poesia ou cópias de poemas de diferentes poetas. Exponha os livros e os poemas sobre um tecido bem bonito no chão da sala de aula e solicite que cada aluno selecione metáforas nos poemas expostos. Para isso, eles terão de ler vários. Deixe-os escolher à vontade. Este momento não pode ser apressado. Planeje um tempo para a atividade. As metáforas deverão ser copiadas em papel cartão, com letra bonita, e jogadas dentro da Lata do Poeta . A lata (ou balde) ficará pendurada no pátio da escola. Os colegas das outras turmas, além de professores, funcionários e pais serão convidados a jogar mais metáforas dentro da Lata do Poeta.



Metáfora, literatura e cinema

O filme O carteiro e o poeta (Il postino, 1994), de Michael Radford, narra a história (fictícia) da amizade entre o poeta chileno Pablo Neruda e Mario Ruppuolo. Filme poético sobre os extremos da poesia em que Mario (Massimo Troisi) é um carteiro que, ao fazer amizade com o grande poeta Neruda (então exilado político), vira seu carteiro particular e acredita que ele pode se tornar seu cúmplice para conquistar o coração de uma donzela. Descobre, assim, a poesia que sempre existiu em si. O filme baseia-se no livro Ardiente Paciencia (1985), do escritor chileno Antonio Skarmeta. No Brasil, foi editado pela Record com o título O Carteiro e o Poeta .



Se possível, leve o livro e o filme para a classe e programe uma sessão de cinema. Há diálogos maravilhosos entre o poeta e o carteiro no livro e no filme. Um deles é sobre metáfora, que o filme reproduz fielmente:



O carteiro e o poeta



- Metáforas, homem!

- Que são essas coisas?

O poeta colocou a mão sobre o ombro do rapaz.

- Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando-a com outra.

- Dê-me um exemplo...

Neruda olhou o relógio e suspirou.

- Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?

- Ora, fácil! Que está chovendo, ué!

- Bem, isso é uma metáfora.

- E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?

- Porque os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou a complexidade das coisas.

(O Carteiro e o Poeta, Antonio Skármeta)



Poesia e cinema

Organize outra sessão de cinema com debate. Desta vez com o filme A Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society), EUA, 1989. Direção de Peter Weir. Com Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke e Josh Charles. O filme conta a história de um professor que fez com que os estudantes se encantassem com a literatura. Segundo ele, o que dá sentido à vida tem a ver com o espírito e com o prazer, e a literatura, incluindo aí a poesia, são fontes riquíssimas desses elementos.



Preparar um poema para ler para os outros

Falar para um público não é tarefa fácil, principalmente para os mais inibidos. Este momento tem como objetivo desenvolver a oralidade. Sabemos que para expor um assunto oralmente é importante a preparação anterior. Assim, dê um tempo para os alunos se prepararem para falar:

Peça que os alunos escolham poemas para declamar. Os poemas podem ser escolhidos entre todos os que você, professor(a), já ofereceu ou a escolha pode ser feita em casa, na biblioteca da escola, ou em pesquisa na internet.

Os alunos devem levar os poemas escolhidos para casa e ensaiar sua leitura em voz alta. Desafie-os a decorar os poemas.



Sarau

Em data marcada previamente, organize um sarau para eles se apresentarem, declamando os poemas, que podem ser lidos ou falados de cor. Explique para a classe o que é sarau. Antigamente os saraus eram manifestações artísticas de teatro, dança, música e poesia apresentadas para nobres e reis. Hoje continua sendo encontro literário, com a reunião de pessoas para recitação e audição de obras em prosa ou verso.



Avaliação

Este é o momento de saber se eles, de fato, aprenderam aquilo que você queria que aprendessem. Se não aconteceu, você deve buscar as causas e reorientar a prática.



Atividade de avaliação

Produção de texto - Por meio dos textos que os alunos irão produzir, você avaliará o que compreenderam do que foi estudado e se os seus objetivos de aprendizagem foram atingidos. Ensine que nenhum texto nasce pronto. Para ficar bom, é preciso escrevê-lo e reescrevê-lo muitas vezes, como fazem os bons escritores.

Diga à classe que cada um planeje o que vai escrever, faça rascunho, revise e finalmente passe a limpo seu poema. Reúna as produções dos alunos e exponha-as num mural ou organize uma antologia:



1. Metáfora - Solicite que escrevam um texto expositivo, em prosa, para o 7° ano em que explicam o que é metáfora. Depois de pronto, marque um encontro com os colegas da outra série. Avise que os textos serão avaliados por esses colegas. O leitor é que dirá se entendeu a explicação sobre metáfora dada no texto lido por ele. Será considerado bom o texto que conseguir dar uma explicação satisfatória para o leitor do 7° ano.



2. Imite o poeta - Peça que produzam um poema com metáforas. Esse texto deve ser em versos, distribuídos em estrofes, com rima. Enfatize que poesia é invenção.



Anexos

Metáforas

Abaixo seguem textos que podem auxiliá-lo no estudo sobre metáfora.



Emprego de uma palavra em sentido diferente do próprio por analogia ou semelhança: Esta cantora é um rouxinol ( a analogia está na maviosidade). (dic. Michaelis)



Tropo que consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado. (Por metáfora, chama-se raposa a uma pessoa astuta, ou se designa a juventude primavera da vida.) (dic. Aurélio)



É a figura de linguagem que consiste na transferência de um termo para um âmbito de significação que não é o seu; ao contrário da metonímia não se fundamenta numa relação objetiva entre a significação própria e a figurada, mas, sim, numa relação toda subjetiva, criada no trabalho mental de apreensão; ex.: o último ouro do sol morre na cerração (Bilac). A metáfora tem uma função expressiva, que é pôr em destaque aspectos que o termo próprio não é capaz de evocar por si mesmo; assim, a última luz do sol não ressaltaria a tonalidade especial da luz solar ao crepúsculo. A metáfora é, por isso, um recurso corrente na linguagem e essencial na poesia. A seu lado, há a comparação assimilativa ou símile, em que se obtém esse destaque pelo cotejo de dois termos; ex.: a luz do sol é como ouro na cerração.

A metáfora é um fato de sincronia e só existe quando o termo tem a significação própria nitidamente distinta da do termo que é substituído. Quando figura sistematicamente numa expressão como idiotismo, perde a força evocativa, porque o termo, em princípio metafórico, está idiomaticamente imposto na expressão (ex.: cabeça de alfinete); tem-se então uma fossilização, e a metáfora só se torna patente em formulações ad hoc (ex.: são idéias de uma cabeça de alfinete). Na diacronia, as metáforas entram na evolução semântica e o termo incorpora a significação, de início metafórica, na significação própria, cuja polissemia - a) aumenta, ou - b) não, conforme a antiga significação própria - a) se mantém, ou - b) se esvai (exs.: a) serra para conjunto de montanhas e para ferramenta ; b) flagelo (cf. lat.flagellum chicote ). - J. Mattoso Camara Jr.



TIGRESA

uma tigresa de unhas negras

e íris cor de mel

uma mulher uma beleza

que me aconteceu

(Tigresa, Caetano Veloso)



O poeta, ao chamar de tigresa a mulher a quem dedica a canção, constrói uma figura de palavra, ou seja, uma figura que consiste na associação entre os elementos mulher e tigresa. Essa associação nos permite uma transferência de significados, a ponto de usarmos tigresa por mulher (que, obviamente, é sensual, insinuante, felina).

A seqüência associativa percorre os seguintes passos:

1o) a mulher é como uma tigresa

2o) a mulher é uma tigresa

3o) uma tigresa

em que de uma comparação inicial se chega à substituição de uma palavra por outra. Temos, assim, uma figura de palavra denominada metáfora.

(José de Nicola e Ulisses Infante)



Qualquer palavra não serve: é preciso encontrar aquela que, não traindo o sentimento a ponto de o destruir, consiga sugeri-lo tão completamente quanto possível. Palavra ambígua, capaz de dizer sem dizer, de sugerir mais que transmitir, em decorrência da natureza polivalente e difusa da vivência interior. Tudo isso, afinal, constitui a metáfora, o símbolo. A poesia é a expressão do eu pela palavra metafórica, vale dizer, permanente substituição, ambigüidade, dar a entender, parecença com; jamais o termo direto, a palavra do sentido único e preciso. (Massaud Moisés)



A existência de similitudes no mundo objetivo, a incapacidade de abstração absoluta, a pobreza relativa do vocabulário disponível em contraste com a riqueza e a numerosidade das idéias a transmitir e, ainda, o prazer estético da caracterização pitoresca constituem as motivações da metáfora.



Em síntese - didática -, pode-se definir a metáfora como a figura de significação (tropo) que consiste em dizer que uma coisa (A) é outra (B), em virtude de qualquer semelhança percebida pelo espírito entre um traço característico de A e o atributo predominante, atributo por excelência, de B, feita a exclusão de outros, secundários por não convenientes à caracterização do termo próprio A . Ora, a experiência e o espírito de observação nos ensinam que os objetos, seres, coisas presentes na natureza - fonte primacial das nossas impressões - impõem-se-nos aos sentidos por certos traços distintivos. A pedra preciosa esmeralda tem como atributo predominante a sua cor verde, de brilho muito particular. Então, uns olhos com essa mesma tonalidade podem levar a uma associação por semelhança, da qual resulta a metáfora: seus olhos (A) são duas esmeraldas (B).

Do ponto de vista puramente formal, a metáfora é, em essência, uma comparação implícita, isto é, destituída de partículas conectivas comparativas (como, tal qual, tal como) ou não estruturada numa frase cujo verbo seja parecer, semelhar, assemelhar-se, sugerir, dar a impressão de ou um equivalente desses. Assim, seus olhos são como (parecem, assemelham-se a, dão a impressão de) duas esmeraldas é uma comparação ou símile.



Analogia e comparação

A analogia é uma semelhança parcial que sugere uma semelhança oculta, mais completa. Na comparação, as semelhanças são reais, sensíveis, expressas numa forma verbal própria, em que entram normalmente os chamados conectivos de comparação ( como, quanto, do que, tal qual), substituídos, às vezes, por expressões equivalentes (certos verbos como parecer , lembrar , dar uma idéia , assemelhar-se : Esta casa parece um forno, de tão quente que é. ). Na analogia, as semelhanças são apenas imaginárias. Por meio dela, se tenta explicar o desconhecido pelo conhecido, o que nos é estranho pelo que nos é familiar; por isso, tem grande valor didático. Sua estrutura gramatical inclui com freqüência expressões próprias da comparação (como, tal, semelhante a, parecido com, etc. Para dar à criança uma idéia do que é o Sol como fonte de calor, observe-se o processo analógico adotado pelo Autor do seguinte trecho:



O Sol é muitíssimo maior do que a Terra, e está ainda tão quente que é como uma enorme bola incandescente, que inunda o espaço em torno com luz e calor.

Sol tão quente, que é como uma enorme bola incandescente é, quanto à forma, uma comparação, mas, em essência é uma analogia: tenta-se explicar o desconhecido (Sol) pelo conhecido (bola incandescente), sendo a semelhança apenas parcial (há outras, enormes, diferenças entre o Sol e uma bola de fogo). (Othon M. Garcia)



Adendos

Quando for ensinar linguagem poética:

- Selecione poemas não só pela temática, mas, sobretudo, pela sonoridade e/ou metáforas.

- Proponha sempre a leitura de poemas em voz alta para a percepção auditiva da sonoridade e ritmo dos versos.

- Compare a objetividade da linguagem científica com a subjetividade da linguagem da poesia. A poesia é expressão da subjetividade do poeta. Caracteriza-se, portanto, pela linguagem criativa e metafórica. Seu estudo não pode ser reduzido apenas ao estudo de rimas, versos e estrofes. É preciso ir além disso, explorando os recursos que dão efeito sonoro, como a aliteração e a assonância, e o sentido conotativo e o caráter polissêmico das palavras.

- Mostre que o trabalho do poeta é árduo e que a linguagem poética tem um caráter subversivo, como nos casos em que há desobediência às normas da língua.

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